Especialistas mostram que reconhecer o fracasso é melhor do que passar a mão na cabeça e poupar o seu filho.

Pesquisas científicas indicam que, para aprender com um erro ou fracasso e evitar que ele se repita, o primeiro passo é assumir a sua responsabilidade e pensar no que poderia ter sido mudado para alterar o resultado. Pena que não é bem isso o que costumamos fazer...

Qual pai, por exemplo, diz ao seu filho depois de perder um jogo, por exemplo, de futebol: "Erraste muitos passes, não mereceste mesmo ganhar, tens de treinar mais"? Soa até cruel, não é? É bem mais comum a criança ouvir frases como: "Tudo bem, o importante é competir", ou "Aquele árbito apitou mal demais o jogo", ou ainda "Tu és ótimo, não te preocupes, vais ganhar na próxima". Isso porque, durante várias décadas,acreditou-se que era importante manter a autoestima das crianças em alta e elogiar sempre sua performance para encorajá-las. Mas esses conceitos começam a ser questionados.

A psicóloga americana Carol Dweck, da Universidade de Standford, fez vários estudos para entender como o ser humano lida com o fracasso. Alguns deles resultaram no livro 'Mindset, the New Psychology of Success' (Modelos Mentais: a Nova Psicologia do Sucesso). Ela estava interessada em saber por que algumas pessoas reagem bem às derrotas. "Há gente que perde o emprego ou termina um relacionamento e consegue aprender algo com a experiência. Outras sentem que são destruídas e passam a se sentir incompetentes."

 

Nos seus estudos, Carol entendeu que as pessoas se percebem de formas diferentes, e que o modo como elas são educadas, incentivadas e treinadas pode reforçar uma maneira ou outra de se entender. Segundo ela, pessoas dementalidade mais fixa, que acreditam ter nascido ou não com determinada capacidade, quando falham, acham que não são inteligentes. Já as que acreditam que podem se desenvolver e melhorar, quando falham, obviamente não ficam felizes, mas entendem que podem aprender com os erros e fazer diferente na próxima vez. A boa notícia é que é possível mudar de modelo mental. "É difícil, na sociedade competitiva em que vivemos, abrir lugar para o erro, o fracasso. Mas o erro tem de ser visto como uma informação. Ele é o aviso de que, daquela forma, o resultado não é alcançado, que é preciso empenhar-se mais, treinar mais ou mudar de estratégia", diz Magdalena Ramos, terapeuta especializada em família e autora do livro E Agora, o que Fazer? A Difícil Arte de Educar os Filhos. Segundo ela, colocar ênfase demais no acerto, na performance, pode levar as crianças a se retraírem, a terem medo de tentar para não errar. "O erro faz parte do processo de aprendizado, não é um fracasso em si mesmo. Cientistas, por exemplo, tentam e falham constantemente, testam hipóteses, esse é o caminho do conhecimento", diz.


Veja, a seguir, algumas dicas para ajudar seu filho a desenvolver a persistência e a confiança necessárias para trilhar esse caminho.

1. Ser sincero "Quando a gente entra num jogo ou se propõe uma atividade, quer ganhar e acertar, obviamente. Existe essa expetativa", diz Magdalena Ramos. Por isso, não adianta, depois do fracasso, tentar reduzir a importância da atividade ou da competição e dizer que "aquilo era só para se divertir". Nessas horas, o melhor a fazer é acolher a frustração da criança e não dourar a pílula. Aceite sua tristeza, ajude-a a entender o que houve e tente apontar caminhos: o que será que ela poderia fazer diferente na próxima vez?

2. Dar o bom exemplo Os pais sempre servem de modelo, é das suas atitudes que as crianças aprendem. Como você reage quando erra ou fracassa? "Pais que assumem uma postura infalível, não aceitam críticas, competem por tudo e se cobram constantemente passam esse modelo", diz Magdalena. "Já aqueles que ao errar pegam mais leve e dizem: Puxa, errei, vou começar de novo, vão ensinar aos filhos que isso faz parte da vida, que cair não é o fim do mundo: a gente revê o que houve e se levanta."

3. Não transformar derrotas em vitórias O seu filho tirou uma nota má ou acabou sendo colocado no banco de suplentes da equipa? Calma, não precisa necessariamente ir reclamar com a professora ou com o treinador, dizendo que ele merece mais. Uma deceção não vai traumatizar o seu filho para sempre. Converse com ele, tente fazê-lo entender o que aconteceu. Incentive-o, por exemplo, a pedir um feedback do professor ou treinador sobre a situação, para identificar o que pode ser melhorado. Ajude-o a aceitar e lidar com essas críticas em vez de tentar resolver para ele. Será que faltou mais treino? Que é preciso adotar outra estratégia? Tem de estudar melhor o adversário? Dar ao seu filho um prémio de consolação também não é boa ideia. É importante permitir que ele assuma a responsabilidade ao errar ou falhar, sem recompensas.

4. Incentivar o processo Quando a ênfase está colocada apenas no acerto, no resultado, e não na aprendizagem, no processo, essa pressão pode-se tornar prejudicial. "O sucesso tem de ser encarado como o final de um processo que pode, sim, incluir erros e fracassos", diz Magdalena. "Incentive o seu filho a aprender, a procurar respostas, a cultivar a sua curiosidade, mais do que a acertar." Querer aprender admite erros, acertos, tentativas e constrói saber. Querer aprovação e acerto leva muitas vezes a trapacear, afinal, o objetivo não está no desafio, no conhecimento e, sim, no reconhecimento do outro. Fazer para si, para aprender, ou fazer para ser bem visto pela mãe, pela professora, é bem diferente. Para os que querem apenas acertar, um fracasso é um arranhão na imagem, não um desafio a ser superado. Com isso, a longo prazo, essas crianças acabam a se dedicar somente às coisas que dominam e avançam pouco, arriscam pouco.

5. Trabalhar com a escola Existem escolas apenas focadas nos resultados. Outras acreditam que os erros podem fazer parte da aprendizagem e estão mais focadas em como o raciocínio e o processo de conhecimento se desenvolvem. Procure informar-se, conversar e entender os métodos antes de escolher a escola que considere adequada para o seu filho. E, uma vez escolhida, tente acompanhar e entender o que está sendo feito, sem ficar cobrando cada passo ou colocando pressão. "Muitas vezes a professora deixou passar um erro para testar a hipótese de uma criança, mas alguns pais já se desesperam e dizem: o meu filho não está aprendendo, ele tem de se destacar", conta a pedagoga Renata Queiroz, da Escola Viva, em São Paulo.

6. Lembrar que talento pode ser desenvolvido Uma criança pode ter um talento inato, ter muita facilidade ou aptidão para determinada atividade. Mas isso não quer dizer que deve se dedicar apenas ao que faz facilmente. Exercitar-se, treinar sempre levam a uma melhoria. E cultivar a persistência será útil para seu filho. "Vale a pena mostrar às crianças que empenhar-se numa tarefa, mesmo que não seja fácil, e obter sucesso, também pode ser muito gratificante", diz Magdalena. A ideia de que o talento pode ser desenvolvido, leva a uma postura mais flexível, permite arriscar mais, ter menos medo do erro, uma vez que se acredita na capacidade de aprendizagem. Já quem acha que se nasce ou não com aquele talento tende a não se arriscar, uma vez que conseguiu algo, não lida bem com obstáculos e costuma ignorar feedbacks, porque considera qualquer crítica ao seu comportamento ou capacidade uma crítica à sua pessoa.

7. Não fazer de um fracasso algo pessoal "Eu fracassei" não pode transformar-se em "Eu sou um fracasso", diz Carol Dweck. Mesmo quem tem a tendência a pensar assim pode melhorar com tempo e prática. "Educar não é apenas tolher, apontar erros", diz Renata Queiroz. "É preciso verificar quais são as dúvidas da crianças, como ela chegou a determinada resposta e apontar caminhos." Na verdade, o erro não parece tão trágico quando começa a perguntar-se o que aprendeu com aquela experiência.

8. Desafiar-se Todo mundo tende a se sentir mais confortável em fazer o que sabe. Mas pode ser muito bom experimentar algo novo. Que tal você e oseu filho aprenderem algo juntos? Tentarem algo que não faz sempre parte das atividades da família? Claro que é sempre importante medir o grau e a expectativa ali colocados. "Não se trata de desistir quando aparece a primeira preguiça, mas é preciso conhecer a criança e avaliar o tamanho do desafio, para não impor algo insuperável", diz Renata. "Outro ponto importante é dar tempo à criança. Ela vai cair algumas vezes antes de aprender a andar de bicicleta. Os pais têm de respeitar esse período que ela precisa para fazer as suas descobertas."


Fonte:  http://educarparacrescer.abril.com.br , 07-07-2014
[Adaptação e transposição para português europeu por Academia Ramiro Freitas]